sábado, 31 de outubro de 2009

Uma Casa com Mulheres é uma Casa cheia de Pássaros

para o A. L. Antunes

Num dia bonzinho, depois de passar pelo mini-mercado, pelo quiosque dos jornais, pela casa dos frangos, pelo sapateiro estrábico, pela padaria e por uma prostituta que nunca vê TV, o homem chega a casa e espalha pelo chão os sapatos, o saco do pão, a embalagem com meio-frango assado sem picante, a garrafa de vinho, a embalagem de tabaco e um lenço de cetim estampado com a Torre de Belém. Uma das janelas da sala está entreaberta e por ela esgueiram-se vozes do exterior. Vozes de mulheres. O homem fecha a janela e cobre a gaiola do canário com o lenço de cetim. A poltrona não é a escolha mais apropriada para debicar o galináceo calcinado, mas… porra! Tanto silêncio dá-lhe sono. Adormece entre o cheiro a graxa, tabaco e chicha tostadinha. E sonha! Com prostitutas que nunca vêem TV e que ao chegarem a casa, com as janelas entreabertas, espalham pelo soalho as notas do seu ganha-pão que voam arrastadas pelo vento para dentro de uma caixa de sapatos dourada. Entretanto o gato da Dona Mimi descobre o frango assado dentro da embalagem de alumínio e chama-lhe um figo. Antes um figo que um canário, pensa o homem embrulhado no sonho.

Sem comentários:

Enviar um comentário